sábado, 5 de dezembro de 2009

CARNEADA NO PANTANAL - por Ricardo Maranhão















CARNEADA NO PANTANAL

Chuvinha fina, seis horas da manhã na fazenda Bahia das Pedras, Pantanal da Nhecolândia, Mato Grosso do Sul. Um grupo de oito peões a cavalo, com suas roupas coloridas e chapéus largos, cavalga serenamente pelo pasto, em direção a um grupo de reses. A uma ordem de um dos vaqueiros, um grupo de cerca de 15 bois mansos avança para a frente, em direção ao cercado onde outra rês aguarda, inquieta e impaciente. Os bois mansos, treinados, são sinuelos, que cercam a rês separada, envolvem-na, conduzem-na, como se estivessem destacados para acalmá-la, diante do destino cruel que para ela já se avizinha: ser o objeto do milenar sacrifício do abate do bovino para alimento da comunidade.

Sinuelos, peões e a personagem principal se aproximam do disco de cimento destinado ao rito da morte e da carneação. A rês está tensa, desconfiada, como se da memória ancestral gravada em seus cromossomos fizesse parte a imagem fatal daquele templo da produção da carne. Pior ainda, templo pagão, sem as litanias e gestos religiosos de absolvição que os sacerdotes antigos usavam, antes de mandar matar seus ancestrais de Antes de Cristo.

O laço de um dos peões tenta capturar a rês, que se abaixa ágil e se mete mais no meio dos indiferentes sinuelos. Outro peão mais destro lhe caça os chifres, e a puxa com violência. Imediatamente, os sinuelos se retiram ordeiros e em silêncio, missão cumprida. Para puxar com eficiência a vítima, o vaqueiro com ajuda de outro passa a corda do laço por uma grande forquilha no meio do disco de cimento e arrasta a rês, agora em pânico e aos pulos, para o centro do cadafalso.

É a hora de entrar em ação uma figura chave, de grandes bigodes e camisa azul: o carneador, o homem que sabe matar com presteza. Seu Sebastião exerce esse mister há mais de 40 anos, sua faca afiadíssima, depois de uma rápida passada pela chaira, é um objeto decisivo para que o sacrifício seja rápido, eficiente e sem muito sofrimento para a vítima. Com precisão surpreendente, entre um salto e outro da rês, introduz-lhe a faca no pescoço, na altura exata de uma artéria vital, o sangue jorra abundante, o animal se move mais lentamente. Mais um corte preciso no outro grande vaso sanguíneo do outro lado da cabeça, um último e violento estertor, o animal tomba morto.

Sempre com gestos rápidos, os peões já estão lavando o disco de cimento enquanto os porcos das redondezas tentam sorver o sangue espalhado. Outros ajudam a levar a carcaça da rês para dentro do barracão/açougue, onde sem vacilações o carneador entra em ação. Cortes decisivos vão separando o couro; a faca afiadíssima passa várias vezes pela chaira e, com golpes de precisão anatômica vai definindo e retirando filés, paletas, coxões, picanhas, ao mesmo tempo em que retira o dianteiro para fazer mantas de carne a ser salgada e seca.
O ritual completo da carneada, acompanhado o tempo todo por jatos d´agua de uma mangueira, dura pouco mais de duas horas: é o tempo necessário para transformar a vaca de animal em alimento, de pecuária em gastronomia, de natureza em cultura.

2 comentários:

  1. Ai que vontade em estar ai com vocês! Estou aguardando ansiosamente pelas notícias e descobertas!

    beijos

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  2. Parabéns !!!!
    Fiquei muito feliz por ter escolhido o Fogo Caipira para iniciar essa "comitiva" que para nós pantaneiros é motivo de muito orgulho.Não vejo a hora de ver o resultado dessa pesquisa....Já estou pensando na edição do livro...rss...
    Bj
    obs.: o Fogo Caipira estará sempre de portas abertas...

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